terça-feira, 21 de janeiro de 2014


Ganhei A Viagem de presente de natal do meu irmão. Comecei o livro depois de aceitar que eu definitivamente não queria terminar O Processo porque simplesmente não era a hora de estar envolvida em assuntos kafkianos. Precisava de um pouco de paz literária.
Abandonei O Processo e peguei A Viagem em mãos. Parecia muito inofensivo. É uma das capas mais bonitas da estante, uns tantos tons de rosa com o nome de Virginia em alto relevo se destacando.
O livro começa como poucos livros sabem começar. Do primeiro capítulo, já me escapuliram algumas dezenas de lágrimas. Sim, ela sabia que precisava voltar pra tudo aquilo, mas no momento tinha de chorar.

A maneira de Virginia escrever é realmente especial. Muitas vezes me peguei dentro de um sonho, imaginando cada feição, gesto e detalhe. O mundo real, por vezes, me parecia fugir e voltar a ele era como emergir de algo muito, muito profundo. Muitas vezes, as palavras e a história pareciam submersas, dando voltas e voltas entorno de algo que não parecia valer a pena - mas que no final se mostrava importante, porque demonstrava a superficialidade à que se sujeitam todos ali.
É um livro sobre as relações que não ultrapassam a camada da frivolidade. E sobre como o amor é capaz de sempre transcender no que diz respeito à isso. O amor representa sobretudo a imersão, a quebra do que é sempre superficial e tangente.
Virginia grita o livro inteiro: somos soberbamente fúteis e estamos sós. Rachel e Hewet representam aqueles que conseguiram ir além.
É uma valsa incrível até que eles realmente consigam se despir diante um do outro, colocando em palavras o que realmente sentiam. Mas é então que a mágica acontece. De perto, são absurdamente simplórios e comuns, sujeitos aos mesmos vícios e superficialidades de todos os outros que os rodeiam, mas é justamente a simplicidade que lhes agrega a leveza e a beleza de poderem ser quem realmente são. Estão nús e não são absurdamente belos; mas a beleza ali consiste apenas no fato de estarem nús.
Ao longo da trama Rachel quase nunca está realmente presente, realmente dizendo algo. Há nela, quase sempre, a sensação de não se estar falando sobre as coisas que realmente importam. Há sempre algo que a separa dos outros. É o que eu chamo de camada da frivolidade. É o que acontece em quase noventa por cento das situações cotidianas. Estamos meramente representando papéis. Reconstruindo diálogos que quase sempre já foram ditos. Trocando de máscaras conforme pede a situação. Quase nunca somos quem somos. 
E conforme o livro avança, percebe-se também que o que somos nem sempre é tão digno.
E o amor assume a função de tornar digno o que à primeira vista é meramente vil. Só o amor de Hewet é capaz de fazer com que Rachel, apesar do mau gosto literário e da beleza discreta, se torne única no mundo
Em um livro repleto de diálogos, que retrata sobretudo a vida social de ingleses em uma viagem à América do Sul no início do século XX, Hewet quer escrever um romance sobre o silêncio, sobre o que as pessoas não dizem. E Virginia demonstra que só o amor é capaz de falar sobre o implícito, sobre o que é despido de máscaras e trejeitos pré-definidos.
Percebeu com grande sensação de conforto como era fácil falar com Hewet, sem aqueles espinhos ou arestas que rasgam a superfície de algumas relações.
O livro se encerra, ao menos na minha mente, com uma pergunta cruel: mas, afinal, de que vale o amor? 
O final inesperado de A Viagem coloca em contraponto tudo aquilo que foi construído. A vida sempre continua, independente de todos os senões. Há algo maior que nos impulsiona a sempre seguir em frente. Algo que é maior que o amor, que a compaixão e que a morte. As banalidades suplantam o poder do amor. Apesar de tudo, precisamos comer, crescer e nos relacionar. Navegar é preciso, é sempre preciso. Não nos é permitido parar. A gente continuava, claro, a gente continuava...
A capa rosa de A Viagem nada ou muito pouco dizia sobre ele. 
É um livro sobre os silêncios, sobretudo sobre os silêncios absolutos, que nos são ditos e repetidos todos os dias. É um livro sobre o silêncio das ausências, mas também sobre o silêncio do que é presente e real, diário.
E é sempre bom saber que você não é o único do mundo a se sentir assimNo meio do silêncio, as palavras de Virginia me abraçaram. Quase um grito.

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